Com a Conferência do Clima da ONU (COP30) marcada para novembro, em Belém (PA), o Brasil intensifica a preparação para assumir um papel de liderança na agenda climática global. Pensando nisso, o portal Metrópoles promoveu, nessa quinta-feira (26/6), o evento “Ponto de Mudança”.
Integrando a programação do Innova Summit, o encontro reuniu em Brasília representantes do setor privado, do governo e da sociedade civil para debater os desafios e as oportunidades diante da emergência climática mundial.
Dividido em dois painéis temáticos, o evento abordou questões-chave para a transição sustentável, como bioeconomia, financiamento climático e o papel da Amazônia como protagonista global.
Em participação em vídeo, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, destacou o papel essencial dos povos originários na preservação ambiental e denunciou os impactos desproporcionais da crise climática sobre essas comunidades.
“A emergência climática afeta a todos, como vemos nas enchentes e secas extremas, mas os povos indígenas, mesmo sendo os guardiões da terra, são cruelmente afetados por rios contaminados, florestas devastadas e solos improdutivos”, afirmou a ministra.
Guajajara lembrou que as terras indígenas são as regiões mais conservadas do Brasil e fundamentais para a produção de chuvas em 80% das áreas agrícolas do país. Ela defendeu que a demarcação de terras seja tratada como uma ferramenta oficial de combate à emergência climática.
“Quando protegemos os territórios indígenas, estamos protegendo o futuro do planeta. Estamos trabalhando para que a COP30 traga compromissos robustos dos países desenvolvidos e amplie o financiamento às políticas públicas indigenistas.”
Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas
COP30 e o Brasil: expectativas, desafios e oportunidades
O primeiro painel teve como foco o papel estratégico do Brasil na COP30 e os caminhos para consolidar uma agenda climática que una preservação ambiental, inclusão social e crescimento econômico. Participaram Camille Bemerguy, secretária adjunta de Bioeconomia do Pará; Fábio Cruz, head de ESG da XP Inc.; e Fernanda Stefani, CEO da 100% Amazônia.
Na ocasião, Camille Bemerguy pontuou a importância simbólica e estratégica de realizar a COP30 na Amazônia. “Durante muito tempo, a Amazônia ocupou o imaginário coletivo como algo distante. Agora, temos a oportunidade de discutir o clima num espaço real, com quem vive ali. É um momento ideal para colocar essa região no centro do debate global.”
O Pará, segundo Camille, tem sido pioneiro ao colocar o clima como eixo central do desenvolvimento. Um dos marcos é o Plano Estadual de Bioeconomia, lançado em 2022, construído com a participação de indígenas, quilombolas, agricultores familiares, academia, setor privado e terceiro setor. O plano busca o carbono neutro, além de promover uma economia sustentável coparticipativa.
Finanças sustentáveis
O economista Fábio Cruz, head de ESG da XP Inc., defendeu que o Brasil tem as ferramentas diplomáticas e financeiras para ocupar uma posição central nas negociações multilaterais. “Temos laços com os 198 países-membros da ONU e liderança consolidada na América Latina. O país pode ser um mediador em um mundo altamente polarizado.”
Ele apontou iniciativas como o Plano de Transformação Ecológica, lançado pelo Ministério da Fazenda, e a Taxonomia Sustentável Brasileira, como exemplos de avanços institucionais que ajudam a alinhar o sistema financeiro à agenda de transição verde.
Segundo Cruz, é fundamental criar segurança jurídica para que os investidores internacionais se sintam confiantes em apoiar projetos sustentáveis no Brasil. “A taxonomia vai ajudar a distinguir o que é realmente sustentável e atrair recursos consistentes, combatendo práticas de greenwashing.”
O especialista também destacou a importância de regulamentar o mercado de carbono brasileiro, criando mecanismos eficientes para precificar emissões e incentivar empresas a adotar práticas mais limpas.
Presidente do Comitê Organizador da COP30, Ana Toni, ressaltou que a realização da COP no Brasil é um marco, principalmente porque foi em terras brasileiras que nasceu a Convenção de Clima, na Rio92. Ela ainda apontou o poder mediador do país para conduzir as discussões climáticas.
Confira na íntegra a fala de Ana Toni:
Empresas locais e soluções sob medida
A empresária Fernanda Stefani, CEO e cofundadora da 100% Amazônia, ressaltou a importância de adaptar políticas públicas e soluções à realidade da região amazônica.
Para ela, o Brasil precisa reconhecer o potencial que tem em soluções sustentáveis próprias.
“O que funciona fora, nem sempre se aplica aqui. Precisamos de políticas adaptadas à realidade da floresta, com inclusão social e apoio às organizações que já atuam no território”, destacou.
Fernanda apontou que a governança local será decisiva para o sucesso da COP30, e que as soluções precisam respeitar as especificidades socioculturais da Amazônia.
Mudanças climáticas e adaptação
Um dos pontos mais enfatizados durante o evento foi a baixa destinação de recursos para adaptação às mudanças climáticas, em comparação com os investimentos em mitigação.
A crítica veio de Eduarda Zoghbi, fundadora da MPower Brasil e especialista em financiamento climático internacional, durante o segundo painel.
“A adaptação é vista como algo de longo prazo, e por isso não atrai tanto o setor privado. Mas, estamos vivendo as consequências agora. Enchentes, secas, desastres ambientais… Não podemos mais esperar.”
Eduarda lembrou que a última COP (realizada no Azerbaijão) definiu uma meta ambiciosa: os países desenvolvidos devem mobilizar US$ 1,3 trilhão por ano até 2035 para financiar ações climáticas em países em desenvolvimento.
Como presidente da COP30, o Brasil tem a missão de liderar os esforços para garantir que esses recursos não fiquem no papel.
“Muitos países não têm a capacidade institucional para implementar esses recursos. O Brasil tem, e precisa ajudar a abrir caminhos para os outros. Isso exige reformas nos bancos multilaterais, articulação internacional e compromisso com uma transição justa”, ponderou.
A especialista também defendeu que a transição energética precisa ser acompanhada de justiça social. “Não adianta falar em mitigação sem considerar quem está sendo mais afetado. São pessoas que geralmente não têm voz nesses espaços de negociação.”
Hidrogênio verde: tecnologia, gargalos e oportunidades para o Brasil
No campo da energia, o debate girou em torno do hidrogênio verde, considerado uma das soluções mais promissoras para a descarbonização global.
Luiz Piauhylino Filho, secretário de Hidrogênio Verde do Instituto Nacional de Energia Limpa, defendeu que o Brasil tem tudo para ser um dos líderes mundiais na produção e exportação desse combustível, mas alertou que o país está atrasado.
Segundo ele, embora o Brasil tenha uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo (com cerca de 90% da eletricidade gerada a partir de fontes renováveis), falta infraestrutura e regulamentação para o avanço do setor.
“Estamos há cinco anos discutindo o tema. A legislação foi aprovada no ano passado, mas ainda não foi regulamentada. Poderíamos estar produzindo e exportando hidrogênio verde hoje”, afirmou.
Ele lembrou que os projetos nessa área são de alto investimento — com valores que podem chegar a bilhões de euros — e que o país precisa criar um ambiente de negócios estável, com segurança jurídica e financiamento.
Piauhylino ainda ressaltou que o Brasil ainda consome hidrogênio de origem fóssil, especialmente na indústria do petróleo, e que é urgente iniciar a substituição por fontes renováveis. “Quem dominar a energia renovável em larga escala vai dominar o futuro do mundo. E o Brasil tem esse potencial.”
Flávia Martinelli, especialista em mudanças climáticas do WWF-Brasil, também marcou presença no Ponto de Mundança com mensagem em vídeo.
Para ela, a conferência será um marco para a implementação de medidas. “A gente está em um momento muito crucial. A cada ano que passa a gente tem atingido temperaturas recordes do planeta que traz consequências muito graves para diferentes partes do mundo.”
De acordo com Flávia, o aumento dos eventos extremos, como enchetes e seca, impacta não só a vida humana como também a fauna. Traz insegurança alimentar com perda na agricultura, e impactos econômicos. “Precisamos agir com urgência”.
“Estamos no limite”, afirma Carlos Nobre
O encerramento do evento ficou a cargo do climatologista Carlos Nobre, um dos mais respeitados cientistas brasileiros e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Ele trouxe dados atualizados e um alerta claro: o planeta já ultrapassou o 1,5 °C de aquecimento global, marca crítica prevista no Acordo de Paris.
“O ano de 2024 foi o mais quente dos últimos 120 mil anos. A ciência alertou ainda em 1990 que não poderíamos passar de 1°C. Mas as maiores emissões da história ocorreram justamente depois disso”, apontou.
Um dos pontos mais preocupantes, segundo ele, são os tipping points — pontos de inflexão em que os danos ambientais se tornam irreversíveis.
Entre eles, o derretimento da Groenlândia e da Antártica Ocidental, a liberação de metano do permafrost siberiano e o colapso potencial da Amazônia, que já perdeu cerca de 34% da cobertura.
A floresta, segundo Nobre, está próxima de um ponto crítico. “Se a Amazônia colapsar, o regime de chuvas do continente será profundamente afetado. Isso impacta a produção agrícola, a segurança hídrica e energética, e até mesmo o clima global”, alertou.
Para o cientista, zerar o desmatamento e investir em bioeconomia e ciência são caminhos inadiáveis. “O Brasil tem uma chance histórica. Mas, precisamos agir agora — com coragem e visão de longo prazo. Não há plano B.”
Ponto de Mudança
O evento “Ponto de Mudança” evidenciou o papel crucial do Brasil no esforço global contra a crise climática.
Com a COP30 no território, o país poderá demonstrar que é possível alinhar desenvolvimento econômico, justiça social e preservação ambiental.
Confira na íntegra como foi o evento: