“Gás de pimenta no ânus”: MP investiga tortura contra presas trans no DF


Mulheres trans presas na Penitenciária Feminina do Distrito Federal (PFDF), unidade prisional popularmente conhecida como Colmeia, denunciam casos de tortura, agressões, transfobia e ameaças por parte de policiais penais do presídio.

A Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF) e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) instauraram procedimento, após relatos registrados em documentos de atendimento jurídico prestado por duas advogadas a interna Jhully Arielle.

Em nota, o MPDFT informou que tomou conhecimento da situação no dia 1°/8 e que, no mesmo dia, o Núcleo de Controle e Fiscalização do Sistema Prisional (Nupri) instaurou um procedimento interno para apuração das supostas agressões envolvendo a interna. Assim como a DPDF, que afirmou ter adotado, com urgência, requerimentos judiciais pelo resguardo à integridade física em favor das internas.

Nos relatos, a interna Jhully Arielle contou sobre os casos que tanto ela quanto outras quatro internas sofreram, durante o mês de julho. Todas elas estão presas na ala LGBTQIA+ do presídio.


Alguns dos episódios relatados pela interna são:

  • O uso do gás de pimenta dentro de uma cela de isolamento sem ventilação;
  • Perseguições sistemáticas com o uso recorrente de expressões ofensivas e discriminatórias, como “demônio”;
  • Agressões com chutes, socos e golpes de tonfa;
  • O veto ao banho de sol, escovação dentária, copo d’água e atendimento de saúde.

De acordo com as defesas da interna, Jhully relatou que um agente identificado como Mayke é o seria o principal responsável pelas violências. O servidor teria, inclusive, chamado uma interna negra de “macaca”. Em outro caso, obrigou uma segunda interna a retirar a roupa toda dentro da cela de isolamento e jogou gás de pimenta no ânus dela.

“A cliente fez diversos relatos sobre violências que teria sofrido, em especial do agente Mayke. Observei que a denunciante estava com o rosto machucado, com manchas roxas. Ela disse que isso é resultado de agressões cometidas pelo agente, que a chutou no rosto estando ela ao solo”, relatou a defesa de Jhully.

Os relatos registrado mostram, ainda, que Jhully teria sido agredida pelo agente em duas ocasiões diferentes. A primeira delas ocorreu em 11 de julho. Após uma interna cair da cama, Jhully foi acusada de agressão pelo servidor e acabou pisoteada propositalmente na cabeça pelo agente – lhe ocasionando um corte na sobrancelha.

Já a segunda situação ocorreu em 30 de julho. No caso, foi imposto um castigo coletivo a ela e as outras quatro internas. A justificativa seria a suposta quebra de uma luminária na cela de castigo. Embora o funcionário soubesse quem havia quebrado o objeto, teria decidido punir o grupo de internas em vez de direcionar a punição somente à detenta transgressora. Todas foram transferidas a uma cela disciplinar, onde Jhully relata ter sido, mais uma vez, agredida.

“Na chegada, as internas ficaram sentadas com as mãos sobre a cabeça, momento em que o servidor Mayke apareceu com um pedaço de ferro, alegando que era de Jhully, e passou a agredi-la com murros e chutes”, explicou a defesa da trans.

O policial penal teria dito por diversas vezes às internas voltarem “para o presídio masculino” porque “elas são homens”.  Nos documentos, é explicado ainda que o agente adotou medidas para que as internas ficassem com aparência masculina, como a proibição da entrega do aparelho para barbear e o recolhimento de medicações psiquiátricas prescritas.

Segundo uma das advogadas de Jhully, outras internas trans já haviam realizado denúncias de agressão e maus tratos no local, em 2025, mas optaram por se retratar e pedir transferência para o presídio masculino.

O Metrópoles entrou em contato com Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape-DF) e questionou sobre as denúncias. Em nota, a pasta afirmou que “não compactua com qualquer tipo e discriminação ou intolerância” e que “foi instaurado um Procedimento de Investigação Preliminar (PIP) para apurar os fatos relatados sobre ocorrências na unidade penal”.

Preocupação dos familiares

A família de Jhully e de uma outra interna, que terá a identidade resguardada pedido de parentes, relataram a aflição que estão sofrendo pelas vidas delas.

“Minha irmã está com três pontos na sobrancelha, levou tiro de borracha na região das nádegas e ainda colocaram corrente no pescoço dela. Ameaçaram  também falando que ‘ou elas viravam homem’ ou eles [agentes] iriam matá-las e não iria dar tempo nem de se despedir da família”, disse Helena (nome fictício), irmã de uma das internas.

De acordo com Helena, ela só descobriu sobre os abusos e maus-tratos contra a irmã após uma visita de uma colega ao presídio. Na ocasião, a amiga foi visitar a sobrinha – parceira de cela da interna – e encontrou com a irmã de Helena.

“Ela foi visitar a sobrinha lá dentro e quando estava saindo da visita, viu minha irmã pedindo socorro e implorando para ela entrar em contato com a família e mandar um advogado”, contou.

Helena acrescentou também que a mãe está há 30 dias tentando realizar a visita à filha. Ela conta que conseguiu retirar a senha para a visita, mas ao chegar no local foi informada que a interna estava em inadimplência e que não haveria a visita.

O mesmo aconteceu com a mãe de Jhully, que teve sua visita cancelada por três vezes e já passa também dos 30 dias sem ver a filha. A última recusa ocorreu em 3 de julho.

“Eu consegui retirar a senha para visita. Mas no dia eu recebi uma ligação de uma mulher da penitenciária falando que era para eu ‘tirar o cavalinho da chuva’ e que eu não ia ver minha filha porque eles estavam encaminhando ela naquele momento para o isolamento”, desabafou a mãe.

Ao Metrópoles a mãe de Jhully contou que a filha, na última ocorrência, teve uma barra de ferro enfiada no pé por uma agente chamada Monalisa. Além disso, relatou também outras ameaças e expressões transfóbicas que foram direcionadas à filha.

“Os agente ficam xingando elas de demônio, desgraça e outros palavrões. Falam a todo tempo que elas são homens e ‘merecem banana’. Teve uma outra agente que chegou até ameaçá-las dizendo que ‘ia colocar a cabeça delas no vaso’. É muito grave”, contou.

As duas familiares agora aguardam as investigações das autoridades.

* Nome fictício a pedido da família para resguardar a identidade da interna em questão.



Veja a matéria Completa!

Cookie policy
We use our own and third party cookies to allow us to understand how the site is used and to support our marketing campaigns.

Hot daily news right into your inbox.